Outrar-se no primeiro dia do Criaturas Urbanas

No amanhecer dessa segunda-feira (07/11) e dos ruídos que inauguravam mais uma semana de trabalho no centro da cidade, deram-se início aos laboratórios das criaturas urbanas do recife. Na abertura das atividades, a apresentação de uma urgência irremediável: o encontro. Se é da nossa condição de isoladas e atomizados que o poder retira sua força de sustentação, resistiremos na construção de pontes, conexões e alianças capazes de traçar as mais insubmissas e necessárias linhas de fuga à ordem vigente.

É durante a Barrocada: Quando é que a Casa Caiu? que artistas e coletivos de intervenção urbana se descobriram e experimentaram a potencia desestabilizadora que o somatório de forças pode criar. Além daquela soma que torna mais eficaz o lançamento do coquetel molotov – uma vez que a mão companheira pode nos ajudar a acender o fogo a ser atirado -, pratica-se também o benefício de uma troca que desloca o coletivo a partir da emergência de distintas perspectivas condicionadas por uma mesma estrutura social que nos recorta. A revolução será multifacetada e colorida por tons que ainda estão por nascer, mas não podemos ignorar que, no tempo presente, o sangue que escorre nas vielas, a pele que limpa os banheiros e serve os jantares de gala é demarcadamente preta e periférica. A partir daqui, o único caminho favorável é a nossa coragem; a sede de rua, nosso principal motor.

Quando a tarde, o mesmo exercício de encontro revela sua dimensão de cura quando a AMOTRANS (A Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco) se abre para abrigar o laboratório Transmissões – aRtivismo. Narrar-se é criar-se. Se a “realidade” é uma ficção do poder, esforçando-se por invalidar todos os outros possíveis, os corpos indóceis se conectarão para criar rotas desviantes, pontos de indistinção onde o grande teatro dos binarismos identitários solapa, já não pega. No ato, a arte de contar-se fertiliza um terreno de acolhimento mútuo, tão caro às subjetividades que, desde o seu surgimento, sofrem sistemáticas tentativas de aniquilamento pela normatividade instituída. A frase “escutar é um exercício ativo, de entrega” irrompe na roda de conversa acendendo a crença de que abrigar e se locomover com a narrativa dx outrx é parte do processo de transformação. Nesse processo, a memória surge enquanto um elemento indispensável para a reinvenção de si (e do nós).

Se na Barrocada o encontro é visualizado como possibilidade de alastrar as fagulhas e ampliar o alcance do incêndio, em Transmissões, entrar em contato com x outrx abre a sensibilidade para uma micropolítica motivada a fazer desde já a saúde de amanhã. Em ambos os espaços, o deslocamento com aquilo que excede o próprio umbigo parece resguardar uma sabedoria avassaladora de que sabotar as engrenagens dominantes passa por implodir o imperativo individualista tão insistentemente introjetado em cada uma de nós. "Outrar-se" era verbo que fernando pessoa (ou algum de todos os seres que o habitavam) criava para descrever a ação de ser constantemente reconstituído por algo que vem do fora, algo que nos invade para desintegrar e atualizar nosso modo habitual de ser/estar no mundo. Invasão tão ambígua quanto necessária. 

Post enviado por Ingá Maria Patriota em qua, 08/11/2017 - 02:42

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