Virar a chave não é coisa fácil!

Virar a chave não é coisa fácil! 

estamos tão acostumados a cumprir o programado, sendo automáticos quase que todo tempo, que quando nos deparamos com a desprogramação nos desesperamos em ter que lidar com a reformulação permanente do eu, ainda mais quando esse eu se depara com o desafio diário da escuta do outro para o encontro de uma vontade comum que faça sentindo.

foram dez dias de muitos encontros bem encontradinhos, mas de muitos desencontros tambem

nunca soube exatamente o que iria dar, a única certeza era a necessidade visceral de buscar outras formas de aprendizado e de compartilhamento de informações, de vida , de arte , de respeito, e principalmente de amor.

tendo isso claro, precisava encontrar os pares para embarcar nessa louca experiência chamada Criaturas Urbanas, e foi na doçura de Adinha, na companheirismo de Lia Letícia e de Lu Padilha que encontrei as primeiras mãos que se uniram para pular nesse escuro, prontas ou não para os atritos que estavam por vir.

claro que diversas experiências anteriores nos respaldavam e nos davam o conhecimento necessário para elaborar a estrutura inicial do projeto. Mas, como extrair a essência dos exemplos sem repetir os modelos?

[Os exemplos, são uma estrutura de pensamento calcada na experiência prática, em seu aspecto sensível. A ideia de bricoleur, “o especialista em gambiarra”, desenvolvida por Lévi-Strauss, foi a inspiração para o reconhecimento de outros modos de pensar, que não apenas os dos "engenheiros", baseados numa apreensão científica do mundo (os modelos). O bricoleur, por sua vez, tem seu conhecimento fundado no exemplo e depende do que está a seu dispor, valendo-se dessas limitações para encontrar novas possibilidades. “Enquanto o modelo é imposto verticalmente (FMI, EUA, governos centrais), o exemplo se difunde horizontalmente. Modelo e Exemplo, dois modos de mudar o mundo. O Modelo dá ordens, o exemplo oferece pistas] reflexão de Eduardo Viveiro de Castro.

se a sensação para muitos é que estão ruindo os diversos modelos instituídos, para tantos outros há experimentações que precisam ser feitas para alimentar a esperança de uma vida digna na atual conjuntura política, econômica mundial.

mas, de toda forma, não caberia apenas a nós, a responsabilidade de achar respostas, e definir sozinhas que estrutura teria esse projeto, e sim aos nossos pares, e aos pares de nossos pares e também aos nossos impares.

daí pra frente, foram tentativas e erros, que nos permitiram chegar a uma proposição que trazia como princípio o fazer coletivo, uma imersão artística-política-afetiva para conceber, desenvolver e executar juntos, ações públicas na região metropolitana do Recife.

aí aparece o maior desafio de todos, como garantir coletividade respeitando o indivíduo?

montamos núcleos iniciais que agregaram diversas pessoas vivenciando laboratórios de experimentações coletivas

foi quando começaram a surgir as diversas criaturas, artistas ou não, ativistas, coletivos diversos, coletivos de coletivos, indivíduos de tudo que é jeito. Teve até egos inconformados desafiando o coletivo ou perambulando sozinho sem se encontrar.

mas, os encontros ... esses encontros ... tantos encontros

esses foram a maior riqueza extraída durante essa imersão.

foi tanta beleza e poesia em diversos gestos, pessoas , coisas, bichos e lugares, que só quem se entregou e baixou a guarda, conseguiu ser tocado pela magia

como não se emocionar com o Michel e sua luta diária para garantir o acesso a cultura e arte para comunidade do Pilar, cercado por uma multidão de crianças que pipocavam de sabedoria e esperança para compartilhar conosco

como não me encontrar na felicidade de Claudia, em ser a madrinha dos papudinhos do Bola na Rede, comunidade esquecida pelo Estado que fica em Guabiraba Zona Norte do Recife.

e a doçura de Salmir, que desarma qualquer resistência ao amor, que nos presenteou com sua companhia em vários momentos da mostra

Maria Elizabeth Santiago de Oliveira, conhecida como Mãe Beth de Oxum, ialorixá e percussionista, que provoca transformações permanentes na comunidade do Guadalupe, bairro popular da cidade alta de Olinda

em Paratibe, o Coletivo Escambo nos trouxe reflexões sobre infra estrutura urbana, direitos básico. Sua proposta foi um Mutirão para recuperar a pracinha e a quadra do bairro, estimulando ainda a comunidade a pensar a cidade e o lugar que queremos. Era todo mundo junto desenhando, pintando e bordando uma utopia possível.

no Escambo, encontrei ainda, um menino/homem que foi logo dizendo assim:

- Eu conheço você, mas você não vai lembrar de mim”

me deu um frio danado na espinha, pois como sou muito encrenqueira achei logo que ele ia lembrar de alguma coisa assim. Mas, meu coração explodiu de alegria quando aquele homão com olhos de menino, me falou que havia participado da oficina de animação que realizamos para jovens em Olinda, da qual faziam parte Dani Brilhante, Leta Vasconcelos, Eu, Lorival Cuquinha, Thelmo Cristovão e João Maria, e nesse momento me teletransportei para o ano de 2004 , 2006, mais ou menos.

o AIP, com toda sua potencia histórica, localizado numa região do centro que considero uma das áreas mais pulsantes da cidade, recebeu o núcleo mais explosivo de todos, o Barrocada. Parecia um transe coletivo, onde o encontro entre passado e presente resultaram numa conexão direta com o Exu da Terra.

somos gratos a Bruna e Danilo que além de receberem e participarem ativamente do Criaturas, agregou o João, pessoa de fino trato e leveza plena. A meninada do Barrocada, era tão pulsante, e inquietante quanto a própria cidade, uma potência e vontade de guerrilhar inigualáveis. Vou sentir falta dos comentários do Caetano, do cantar de Ana, da sutileza e coragem da Clara, Samuel e do Jorge, e da ousadia do Iagor, e dos outros todos que se integraram ali.

transmissões, discutiu sobre mobilidade de gênero, e sobre o que você deseja , e pode ser: gay, lésbica, bissexual, assexual, hétero, etc. Com muita delicadeza esse núcleo contou a maestria de Virgínia de Medeiros, Chico Ludermir, Maria Clara Araújo, idealizadora do projeto 'Pedagogia da Travestilidade’, e meu companheiro de tantas vidas outras Paulo Paes. Babaaaaaado esse núcleo!

a galera do planeta Marte, o núcleo Tá Môco, produziu conteúdo pra caralho, pra caralho, pra caralho, até não conseguir mais. Deixa o Povo de Axé em Paz, Que Banana é Essa? E se Desmonte , são os meu preferidos. Aparentemente era o núcleo mais tranquilo de todos, lugar elegante onde se evitavam os embates diretos, possivelmente por sabedoria, mas que muitos deles existiram, tenha certeza que existiram! Lidar com o outro não é tarefe fácil, achar o jeito confortável para todos, talvez seja mesmo impossível. essa turminha recebeu a dádiva de compartilhar seus dias com o professor pardal mais genial em linha reta do norte, nordeste de toda américa latina, Maurício Castro.

teve de tudo nesses dez dias, teve “Exu da Terra no Bola na Rede”, “Banho de Choque no Pina”, “Cinecão na Maumau”, que contou com a presença iluminada da grávida mais linda do Brasil, Irma Brown, e sua primeira criaturinha. Teve “Palco Preto” organizado pelo Coletivo Carne, teve “Batekoo” com a musa Maria Clara que não é Nunes e sim ARAUJO, teve “Percurso Sonoro” na igreja Nossa Senhora do Pilar, teve “Rolezinho Boa Bixa”, teve os aconchegados no SIS(Serviço Integrado de Saúde), teve Lesbian Bar/Mesbla com Fernando Peres e seu coraçãoZÃO, que nos recebeu maravilhosamente desbundante em sua casa com sua família linda, Lila, Lina (minha fã que não estava em casa), a pequena Olívia e Lucas, teve rock'n'roll, teve cachaça, teve herói, teve mocinho e bandido, teve galha, teve confusão, teve de tudo, teve até salvamento e resgate de câmera de filmagem, pelo Jaspion de motoca do Bola na Rede para Abreu e Lima. Pense!

a turminha do bonde dos novinhos e novinhas, nos mostraram tantos novos caminhos possíveis, foi extraordinário conviver e aprender e reorganizar os pensamentos a partir das ações e conversas com Ingá Maria, Maria Magu, Ruth Steyer, Yuri Bruscky e Michel Gomes, Coletivo Carne (Iagor Peres e Jorge Kildery), Rádio Aconchego (Maria Magu e Gustavo Cabrera), Bia Rodrigues (Biaritzz), Chico Ludermir, Yuri Bruscky , Mauro, Libra, Maria Clara, Max, e ...

para os mais experientes, foi uma confusão interna danada, choque de monstros, tínhamos como maior desafio a aprendizagem, a escuta, e virar a chave não é tão fácil quanto se imagina

não houve quem tenha saído ileso dessa experiência

há pessoas que estão se perguntando até agora se isso é arte ou não é?

e eu que nem consigo separa arte e vida passei por um turbilhão de sentimentos, ri muito, briguei muito, aprendi muito, fofoquei muito, chorei muito, amei muito!

foi careta não!

Tati Diniz, disse que não sabia mais quando era dia, quando era noite, quando era ontem, anteontem e hoje . Falou ainda que amanhã vai lá hoje !

para Virgínia, Zepa, Ronald Duarte (conhecido na praia do sossego por Sr Ronaldo), Paulo Paes, Fernando D’Pádua, Ricardo Brazileiro que embarcaram nessa deriva e se deixaram levar pelas fluidez dos acontecimentos, meus sinceros e eternos agradecimentos, pois foi bonito de ver o empenho de todos para encontrar esse lugar comum, ou essa ação comum que tanto falamos

foram de diversas vontades e saborosas doidices, construída a partir de tantas experiências anteriores de todos que ali estiveram, naquele verdadeiro emaranhado de gente, que se concretizou a primeira edição do Criaturas Urbanas

a ilustração de Kobliz, no início do projeto já traduzia bem o que ele poderia vir a ser, com sua premonição, desenhou uma mistura de tudo e de todos, de longe uma massa, mas de perto há indivíduos pensantes, atuantes e potentes.

“Células microscópicas em tecido ... uma textura celular que de longe se vê como uma massa, e de perto você entende meio confuso o emaranhado complexo onde as coisas se compartilham, cabendo uma pluralidade.”

não sabemos se isso funcionou ou não, e de fato nem sei se o objeto seria ter uma função, mas encontros profundos aconteceram e se houve atrito, desconforto, inquietações, explosões, é que muitas coisas foram sacudidas

será necessário um tempo para digerir tantas explosões, ativações, reformulações, alvoroço.

assim foi o Criaturas Urbanas 2017

Rosa Melo

Post enviado por criaturas em sex, 24/11/2017 - 08:02

Comentários

Submitted by Anônimo (não verificado) on sex, 24/11/2017 - 13:02

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"teve até salvamento e resgate de câmera de filmagem, pelo Jaspion de motoca do Bola na Rede para Abreu e Lima." <3 <3 <3 toda vez esqueço dessa parte e quando lembro me espanto de novo! ahahahahahaahhahaha ai rosa... índia potira ninja crazy duzinferno. só sei que esse negócio que tu fez foi algo dantes nunca visto. ninguém saiu ileso mesmo. ninguém. muito muito muito obrigada!

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