A labuta no despropósito

Infestadas por uma mistura de tinta, lama, areia, cimento e foligem, as pequenas mãos percorriam de um canto ao outro a quadra do Mangueirão para forjar o renascimento de uma praça de bairro em Paratibe (Paulista-PE) nesse sábado (12/11). O ato, puxado por uma articulação entre o Escambo Coletivo e o Laboratório Ambulante Interativo Engenho, retomou o espaço há tempos negligenciado pelo poder público para colorir e semear o germe de uma construção coletiva que dispensava as intermináveis e rotineiras promessas de resolução das altas instancias administrativas da cidade.

“Era uma vez o tempo da espera” nos intimava a inquietude no passo das crianças. A partir de agora, inventaremos as nossas praças, bibliotecas, quadras e galerias com tudo aquilo que estiver ao alcance das mãos. Se no modelo instituído de reforma dos equipamentos públicos, assistiríamos a uma relação impessoal de trabalhador_s terceirizad_s penando no sol e no transporte do cimento para aplicar um desenho de praça concebido exteriormente, na ocupação da pracinha vivenciada durante o ultimo sábado, experimentamos a descoberta de que executar por nós mesmos o cuidado com nossos espaços pode ser uma aventura tão prazerosa quanto brincar de pique-esconde.

 Durante o próprio processo de reconstrução da praça, a atuação das crianças nos interpelava a recordar o sabor de sujar as mãos no rascunho de um outro mundo. Assim como no dia seguinte, quando xs meninxs do Laboratório Ação Pilar tomaram os escorregos e balanços de outra praça para reinventar os usos dos objetos que repentinamente se transformavam em instrumentos sonoros ecoando por toda a comunidade e disputando (ou compondo) com o brega do carro de som, a paisagem sonora do domingo.

 Em ambos os atos, uma participação que nasce mobilizada por tudo que existe de mais imediato na experiência de construção coletiva. Tanto o esforço dxs meninxs em Paratibe, quanto a experimentação das crianças do Pilar parece nos indicar que a revolução se dará em caso curto de acaso simples, uma vez que o gosto de seu processo esteja a altura dos desejos de quem a saboreia. Em outras palavras: se pudermos dançar, já é nossa revolução. Ainda aquela ligação aos despropósitos cultivada pelas peraltagens do menino que, segundo manoel de barros, apreciava carregar água na peneira.

Porque, se existe uma utilidade percebida em reconstruir a praça do nosso bairro - uma vez que esses espaços são estrategicamente abandonados por um projeto privatista de cidade que atualmente direciona as grandes decisões políticas -, ainda assim, o ímpeto de intervenção se dará pela possibilidade de compartilhar a pá com sua amiga ou mesmo na oportunidade de costumizar sua roupa com o excesso de tinta que cairá do banco a ser pintado. Desvendando, assim, uma potência politica característica dessa sorte de vivência: a delicia de sujar as mãos na realização coletiva até mesmo na mais exigente das tarefas. Quando não estamos condicionados pela obrigação de atender às demandas de eficiência em função do lucro de algum patrão, quando um trabalho poderia ser severo para o um sozinho, mas é divertido aberto se experimentado pela matilha. Quando a soma de forças na reforma da praça reativa os laços comunitários de nosso bairro ou até quando o ornamento de papel nacarado - como aquele que formava a fantasia dos meninos no Pilar - pode despertar os nossos sentidos para a ação ainda mais do que qualquer ordem de convencimento.

 

Post enviado por Ingá Maria Patriota em qua, 15/11/2017 - 08:36

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