Um adeus em chamas

“Nesse sentido, um levante é uma ‘experiência de pico’ se comparada ao padrão normatizado de consciência e experiência. É como um bacanal que escapou (ou foi forçado a desaparecer) de seu intervalo intercalado e agora está livre para aparecer em qualquer lugar a qualquer hora. O xamã retorna – uma pessoa não pode ficar no telhado para sempre – mas algo mudou, trocas e integrações ocorreram – foi produzida uma diferença.”  TAZ, HakimBey

 

Ao longo dos últimos dez dias, as ilhas insurgentes - focos de proliferação das infecciosas Criaturas Urbanas - eclodiram e amalgamaram-se na proposição de uma outra cidade, outro corpo político e outra experiência sensível no espaço urbano. Desgarrada da pretensão autoritária pela tomada do poder ou pela aplicação de soluções permanentes para os problemas humanos, a subversão agora renasce desejando nada mais do que os instantes insones de levantes temporários. Uma pequena infestação que nasce ao norte e, antes que o mapa possa ser retificado, migra pro sul, de lá antecipa sua própria extinção e desaparece para, em seguida, ressurgir ao oeste. Na imediaticidade do tempo presente, "mudar o mundo" deixou de ser projeto ou roteiro para se converter num inadiável e contínuo exercício de si. 

Em cada um dos laboratórios que se espalharam pela zona metropolitana do recife, algum caldeirão diferente preparava o feitiço eleito para corroer a régua com que o poder loteia nosso espaço e nossa imaginação. Na encruzilhada da Casa Marte (Meditação Crítica ou 4UADRILHA ou Tá Môco?) as mãos se misturavam e cooperavam entre si na produção coletiva de rompantes, dizeres, avisos e cartazes que terminariam por lamber as ruas da cidade numa atenção fina àquilo que as paredes urgem manifestar. "Deixa o povo do axé em paz" aparecia em um dos escritos e bem se conectava com a experiência impulsionada pelo 

Durante a jornada pelo buraco da véia, na praia de Brasília Teimosa, xs integrantes do laboratório Transmissões – aRtivismo. Narrar-se é criar-se bebiam daquela valentia com que uma onda se arremessa em direção às pedras e potencializavam o choque da sua interferência no mundo. Se um corpo fere o teatro da binaridade de genero, sua própria existência se torna um ato de rebelião. E fere porque existe uma rachadura em tudo e é por ai que a luz entra. Por ai ou pela porta de trás do ônibus, com a sede voraz de quem não aguenta mais as lições de moral que mantém o perpétuo enriquecimento do Grande Recife Máfia de Transporte. Foi assim que, na segunda-feira (13/11), o mesmo fatigante e engarrafado percurso do centro da cidade para a comunidade Bola na Rede se transformou num bacanal contagiante e embriagado pelo axé do Exu que equilibrava os desejos na perfomance incitada pelo 

Se agora chegamos ao encerramento é porque a tática do desaparecimento também é uma arte macial. Podemos renascer em qualquer ponto aonde o vírus coletivamente inoculado continue reverberando e contagiando outros organismos. Somos constituídos por aquela matéria fina da transitoriedade que funda todos os acontecimentos. Nos afeiçoamos à capacidade transformadora das chamas e descobrimos que podemos ser fogo ainda depois de ser cinza. Das memórias e experiências vividas, nenhuma ambição de triunfo, mas a vontade latente de faze-las sobreviver enquanto fluxos de intensidade que nos levem cada vez mais longe.

Post enviado por Ingá Maria Patriota em sex, 17/11/2017 - 22:47

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